Europa bloqueia camionistas e compromete exportações

31-05-2015 12:18
O preço do transporte de mercadorias para a Europa vai "disparar" - antecipam as transportadoras -, com a proibição de pernoita no camião em França e na Bélgica. A Alemanha prepara legislação mais restritiva.'

 

 

Entrou em vigor uma nova legislação em França e na Bélgica que proíbe os motoristas de transporte internacional de efetuar o seu descanso semanal, ao fim de 45 horas, a bordo dos veículos. "Se alguém transgredir, a multa é de 30 mil euros e a prisão do gestor da empresa", frisa Gustavo Paulo Duarte, presidente da Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias (Antram).


A questão, sublinha, "é que nem sempre o tempo de descanso, que está devidamente regulamentado na União Europeia, ocorre numa área de serviço, onde existe segurança e o motorista tem onde descansar". Ou seja, "pode acontecer o motorista ter que abandonar o camião, sem segurança para o veículo e a mercadoria do cliente e, além disso, ter que se deslocar para a pensão ou hotel mais próximo, o que representa mais uma despesa".


Gustavo Paulo Duarte sublinha que já foram apresentadas várias queixas junto da Comissão dos Transportes, na União Europeia: "Não por Portugal, mas por outros países, que se anteciparam, e agora temos que aguardar a decisão".

Entrave alemão


Já no caso da Alemanha, o país está a discutir uma nova alteração legislativa que obriga as transportadoras a comunicarem às autoridades alemãs, por escrito e em alemão, a passagem pelo seu território de determinado camião, as datas e o motorista. Mas as exigências não ficam por aqui.


Gustavo Paulo Duarte explica: "Caso o camião leve mercadoria para a Alemanha, ou vá buscar mercadoria, a empresa portuguesa tem que pagar ao motorista as horas que esteve naquele país de acordo com o salário mínimo alemão".
A diferença é assinalável. O salário mínimo nacional é de 505 euros, o alemão é contabilizado em horas, e é de 8,5 euros brutos a hora (1309 euros/mês).


"As transportadoras vão ter muita dificuldade em conseguir fazer estes pagamentos, é muito mais que o salário nacional", referiu o presidente da Antram, acrescentando que "os custos das exportações, tão importantes para o país, vão disparar".
Por ainda não estar em vigor, a Antram e restantes associações portuguesas do setor apresentaram uma queixa junto da Comissão Europeia. "Sabemos que outros países já o fizeram. Agora, temos que esperar por respostas".
Para Paulo Duarte, estas duas medidas "violam claramente a livre circulação de mercadorias, são medidas protecionistas e anticoncorrenciais de três países que afetam todos os outros, quer estejam de passagem ou para carregar e descarregar mercadorias, em particular as nações periféricas, protegendo assim os produtos do centro da Europa". 

505
Salário mínimo
O salário mínimo em Portugal, contabilizado ao mês, é de 505 euros, desde outubro passado. Na Alemanha, que não tinha salário mínimo, só está em vigor desde o dia 1 de janeiro deste ano, contra a vontade de Angela Merkel, e é de 8,5 euros brutos a hora, 1309 euros/mês.

12 a 13 mil camiões portugueses por semana
As empresas portuguesas mandam cerca de 12 a 13 mil camiões por semana, para o centro da Europa e depois têm motoristas dias a fio à espera de encomendas, nos arredores de Londres, Frankfurt ou Paris, para não regressarem com os camiões vazios, afirmou Eduardo Rangel, da segunda maior empresa de logística a operar em Portugal.

8000 empresas
Em Portugal, de acordo com os dados mais recentes da Antram-Associação Nacional de Transportes Rodoviários de Mercadorias, existem cerca de 8000 empresas transportadoras. Todavia, não existem dados sobre motoristas.

Competitividade em "perigo"
Oito entidades juntaram-se e até já publicaram um anúncio na imprensa a alertar para o facto de estar em "perigo" a competitividade do transporte internacional rodoviário de mercadorias, com as alterações legislativas em França, na Bélgica e na Alemanha, considerando- as "um grave ataque à economia nacional, prejudicando fortemente o setor exportador".

"A medida alemã é uma clara discriminação"
O que lhe parece a medida já em vigor em França e na Bélgica, a propósito do descanso dos camionistas, e a da Alemanha, que exige informação e pagamento do salário igual? A primeira não me parece nada de transcendente. Tra- ta-se de uma opção política para todos. A da Alemanha é uma clara discriminação da nacionalidade que colide com as regras e os tratados em vigor. Não pode haver legislação para nacionais e legislação para estrangeiros. Uma medida destas pode afetar as economias à volta da Alemanha? Claro que sim. Vai afetar todos os países que não são a Alemanha, e esta distinção, quanto a mim, tem muito que se lhe diga. No entanto, devemos ser prudentes, porque a Alemanha lança umas propostas legislativas, que depois são muito diferentes. Basta recordar a expulsão de todos os emigrantes que não tinham trabalho. Acabou por alterar tudo. Então, é esperar para ver? Não. Esta ideia é uma clara violação da livre circulação e, só por isso, deve ser apresentada uma queixa na Comissão Europeia, para que interpele o Governo da Alemanha.

"O camião é como família"
Os 28 anos que Avelino Freitas leva de camionista nunca lhe tiraram o gosto pelo volante. Aos 56 anos, este vimaranense de Brito explica como é passar vários dias fora de casa, a conduzir apenas na companhia do amigo motorizado: "O camião é como família. Se estiver dois dias sem conduzir, parece que falta qualquer coisa".
Afinal, é ali que cozinha, come e dorme, quando está fora. Transpor- ta maioritariamente gás e tem como destino principal Espanha, mas também vai amiúde para França e Bélgica. Dentro do Volvo, leva mantimentos, medicamentos, fotografias da família e um cachecol do Vitória de Guimarães: "O cachecol vai para todo o lado. Este já é o segundo, porque uma vez dei um a um polaco que veio a Guimarães e que gostou muito da cidade". Tem infindáveis histórias para contar, boas e más.
Cada viagem é uma aventura diferente, mas há duas coisas de que não abdica. A primeira é a de ter sempre o camião limpo. A segunda é a de fazer pelo menos uma refeição por dia fora do veículo, como reforço para compensar as horas passadas na estrada. Confidencia, ainda, outro truque para superar os "sacrifícios" de ser camionista e manter o grado pela arte: "É preciso gostar, muitos vêm e depois desistem".

"Dorme-se só com um olho fechado"
De segunda a sexta-feira, o camião é a casa de João Nunes, de 43 anos. Todas as semanas, o camionista, de Ílhavo, salta para o volante às primeiras horas da manhã de segunda-feira, deixa Portugal, atravessa Espanha e ruma a França, onde tem que descarregar a mercadoria que leva consigo. A viagem de ida é "uma corrida contra o tempo", dificultada pela insegurança na estrada, que tem aumentado com o passar dos anos. Já passou pela Bélgica, Alemanha, Holanda, entre outros países. Há sempre uma coisa que se mantém: a camaradagem entre colegas, que alegra os dias de quem passa o tempo sozinho sobre rodas. "Quando posso, prefiro dormir em estações de serviço, por causa da segurança e do acesso a vários serviços. Hoje em dia, já não é tão seguro, pois, infelizmente, há cada vez mais assaltos. Tem que se dormir só com um olho fechado", graceja João, a quem já roubaram combustível durante a noite, enquanto dormia na cabina do veículo.
João Nunes é adepto da segurança. Conduz duas horas e meia, descansa e volta ao volante. Pelo meio, conhece muitos colegas de profissão. Arranja sempre alguém para um bate-papo. "Nos sítios onde paramos para dormir ou comer, encontra-se sempre alguém que já conhecemos ou com quem nos cruzámos dias antes. Não é cada um por si", garante,


"Custos vão aumentar"
Fernando Neves, da Patinter, não tem dúvidas: as alterações legislativas na França, Bélgica e Alemanha vão implicar um "aumento de custos" e " obrigar, a longo prazo, à reorganização dos transportes". Nos dois primeiros países, "a diária é entre 30 a 40€. Se tivermos de pagar a pernoita, veja o preço que tem", aponta o diretor administrativo da transportadora, indicando que contratar funcionários estrangeiros também faria subir os preços, já que os salários são mais elevados.
No entanto, a médio prazo, a solução poderá passar por
"ter motoristas em vários países, fazendo o transporte por estafeta para conseguir cumprir estas diretivas", refere. "Ficamos muito apreensivos com isto", assume, admitindo que esta "é uma forma de criar barreiras à exportação".
Fernando Torres, da Torrestir, diz tratar-se de "uma situação demasiado grave para que o Governo não tome uma posição", e alerta que "grande parte das empresas vai deixar de poder entrar na Alemanha.